terça-feira, 25 de maio de 2010

Ausência...

Inicio esta postagem pedindo desculpas, pela minha ausência que foi prolongada sem nenhuma intenção. Quero compartilhar com vocês que passei alguns dias, na verdade, um mês e meio na casa dos meus pais, pois o meu pai estava muito doente, e eu tive a oportunidade de ficar mais perto dele por 45 dias...

Foram dias difíceis, porque ele estava definhando cada vez mais, vitimado pelo Mal de Alzheimer..., doença maldita que rouba de nós a quem amamos tanto, de maneira lenta, progressiva e cruel, tirando-lhe as memórias de dias felizes, anos felizes..., deixando-nos impotentes ante a realidade dolorosa do avanço desse mal que dizima o melhor que temos - as recordações.

Eu via as dores que o meu pai enfrentava desde a minha última visita a alguns meses atrás..., mas dessa vez tudo estava enormemente agravado, desde a sua completa alienação até as feridas já abertas naquele corpo tão deformado, fragilizado, corpo antes tão forte e que transmitia segurança à nós, seus filhos...

Meu pai teve mais uma visita da sua médica, que prescreveu com urgência o internamento hospitalar, ela pediu isso levada pela grande preocupação pela incapacidade de eliminação da urina, ele já não urinava mais, mesmo usando uma sonda..., não somente uma sonda pra ajudá-lo a esvaziar sua bexiga, mas também uma outra diretamente no seu estômago, que o alimentava a quase um ano, não sei a linguagem técnica para isso, mas também não importa, o que importa mesmo é saber que aqueles dias que passei junto ao meu pai, junto com a minha mãe e irmã que cuidavam dele diuturnamente, foram a oportunidade que o Senhor Deus me deu para "conversar" com ele..., não sei se conversar seria a palavra certa, porque ele também já não falava mais, a não ser em raros momentos, geralmente de dor, em que se expressava através de sons emitidos pela sua garganta..., nada além disso; não se movia, não falava, sequer conseguia manter o olhar em direção à nós, seus filhos ou mesmo em direção a alguma visita, por mais querida que lhe fosse...

Mesmo assim, enquanto ele ainda estava em casa, cantei para ele, li a Palavra de Deus, nos meus momentos devocionais, fazendo com que ele participasse, de certa forma, mesmo somente como ouvinte, eu sabia, ou melhor, nós sabíamos que, apesar dele não poder mais falar, nem controlar a direção do seu próprio olhar, ele ouvia muito bem, entendia quase tudo que falávamos e as vezes, dependendo do assunto até se expressava com lágrimas..., meu querido pai.

Naquela manhã do dia 14 de maio, resolvemos obedecer ao que a médica prescrevia até em caráter de 'urgentíssimo', com a condição de que ele não seria submetido a nenhum tratamento invasivo, só queríamos o parecer dos médicos e depois decidiríamos se ele continuaria no hospital ou viria passar seus últimos dias em casa, era assim que nossa mãe queria e nós, seus filhos, sabendo que o caso dele era irreverssível, decidimos respeitar a sua decisão. Chamamos a UTI Residência e quando o médico o examinou, chamou-me à parte e perguntou-me se eu sabia da gravidade do quadro dele, e que eu deveria estar bem ciente de que, pelas condições dele, provavelmente ele não retornaria mais para casa..., eu respondi que sim, que todos nós já sabíamos dessa possibilidade, mas que não poderíamos deixá-lo sem assistência e sem conseguir eliminar a urina daquela forma, seria para nós como que uma última tentativa de ajudá-lo.

Quando chegamos ao hospital, ele foi encaminhado para internamento, onde foi medicado inicialmente com soro, mas não antes de algumas tentativas para localizar um acesso, pois o meu pai estava com inchaços em algumas partes do corpo, entre elas os braços e pés, e de uma forma geral mas menos perceptível, todo o corpo. Na noite desse mesmo dia, resolvi ficar com ele no hospital, minha filha veio me fazer companhia e ficamos conversando a noite inteira, eu não conseguia dormir; após alguns procedimentos como a aspiração que lhe fizeram pelo excesso de secreção que o incomodava muito, ele conseguiu dormir a noite toda, de forma que no dia seguinte fui para casa e falei isso para mamãe e para a minha irmã, para acalmá-las um pouco, elas tinham ficado muito tristes ao ver meu pai saindo de casa naquela maca, mesmo sabendo que eu o acompanharia até o hospital, as lágrimas molhavam o rosto delas duas e eu, tentando ser forte, mas se demorasse um pouco mais ali, eu certamente não conseguiria conter as minhas lágrimas também...

No dia 15, tudo parecia normal, ele enfrentava com força o desafio dos banhos diários, percebíamos que isso o debilitava ainda mais...
E foi assim, entre soros, e medicamentos que os dias foram se pasando, sempre com algum de seus filhos revesando a presença de dia e de noite naquele quarto de hospital..., por amor ao nosso pai.

Eu já estava com viagem marcada de volta à Vitória-ES, onde moro atualmente, viagem essa que foi adiada uma primeira vez, por eu não me sentir preparada para voltar, mediante o estado de saúde dele. E na manhã do dia 17, numa segunda-feira, a minha irmã que havia dormido lá, telefonou para nossa casa, pedindo a presença da outra irmã que mora com a minha mãe, para que ela fosse ficar o dia com papai, visto que ela precisava tomar um banho e trocar sua roupa, pois havia passado toda a noite e a tarde do dia anterior no hospital; como eu já havia preparado tudo para a viagem, resolvi ir para o hospital no lugar da minha irmã, no que ela concordou, porque naquela manhã ela não se sentia muito bem e como eu iria viajar na madrugada do dia 18, achei mais uima ótima oportunidade para ficar mais tempo com papai.

Quando cheguei no hospital, naquele apartamento de número 217, a equipe de banho estava acabando de dar o banho no meu pai, eu pude perceber a dificuldade que ele sentia em ser movido, mesmo cuidadosamente, de um lado para outro, e as feridas no quadril, no ombro e agora mais recentemente nas costas o faziam franzir a testa de tanta dor..., meu Deus como doía ver meu pai sofrer daquele jeito e sem poder fazer nada para minorar aquele sofrimento. Nada pude fazer para amenizar as dores daquele que em tantas oportunidades enfrentou chuvas e tantas outras dificuldades para aliviar a minha dor quando criança...

Após o banho, enquanto eu falava com ele, percebi seus lábios completamente pálidos e ele pressionando a boca de forma que não abria, a sua respiração estava difícil e alertamos à enfermeira, que imediatamente veio ao quarto jutnamente com a médica e mais outras pessoas da equipe de saúde..., não consigo lembrar quem era quem naquela hora..., só sei que em poucos segundos tinha mais ou menos umas dez pessoas naquele espaço, e foi decidido que iriam tentar encontrar uma vaga na UTI para ele, caso não conseguissem lá naquele hospital, eles tentariam em outros hospitais...

A minha irmã que tinha passado a tarde do dia anterior com o meu pai, acabou não saindo do hospital, ficamos as duas lá até saber mais notícias dele após ser transferido para a UTI.

Foi exatamente as 11:10h que meu pai entrou naquela UTI, e só conseguimos saber alguma coisa sobre ele horas depois..., e no horário da visita, entramos eu e minha irmã e ficamos o tempo todo com ele..., cantamos, oramos, conversamos, falei tanta coisa para ele, tanta coisa importante sobre Deus, perdão, amor familiar, amor de filhos, sobre o amor e a saudade que mamãe sente por ele, etc etc etc...

Quando entramos ele estava com olhos arregalados e chorando..., isso mesmo, chorando, dava pra ver as lágrimas sairem dos seus olhos..., e o que mais me chocou foi aquele "acesso central" na sua garganta, para poder medicá-lo, já que na hora do banho ele tinha perdido o acesso na mão e não conseguiram mais nenhuma outra forma de medicá-lo, a não ser através de um "acesso central" na sua veia jugular..., naquele momento me deu uma vontade enorme de chorar, gritar, tirá-lo dali e levá-lo pra casa, para junto de mamãe, pra ele sentir o calor e amor da nossa família..., mas, obedecendo ao conselho da psicóloga, especialmente para quem estava entrando numa UTI pela primeira vez, o que era o meu caso, eu engoli as lágrimas e conversei com ele normalmente, falei tudo aquilo que mencionei acima, e percebemos que ele entendia, pois parou de chorar, ou seja, as lágrimas deixaram de molhar sua face!!!

Logo o médico entrou e explicava que o caso dele não era para UTI, e por isso, ele ficaria sob observação por vinte e quatro horas, já que tinha entrado a poucas horas por insuficiência respiratória, o que não tinha se repetido desde que ele entrou ali, mas que no dia seguinte seria transferido de volta para o apartamento, o que nos deixou menos apreensivas. Era perceptível o semblante diferente de papai quando estávamos saindo no final da visita, ele estava com o rosto sereno, em paz e isso me deixou bem.

Ao me despedir do meu pai, eu lhe dei uma benção bíblica e minha última frase foi: "Sua benção, papai." E saimos, eu e minha irmã.

Ainda questionei a minha viagem, mas ela me tranquilizou dizendo que eu poderia retornar em paz, que no dia seguinte ele sairia de volta ao apartamento e que ficaria melhor, pois os filhos poderiam ficar mais perto, isso o ajudaria a se sentir bem; e nessa esperança e confiante nas palavars do médico da UTI, embarquei naquele vôo na madrugada do dia 18 de maio...

As 14:30h mais ou menos, eu recebia uma ligação de minha filha, me dando a notícia que eu não esperava agora: "Mamãe, Vovô Victor partiu."

A minha reação foi de angústia, não exatamente pela sua partida, pois a nossa oração era para que Deus aliviasse ou abreviasse tanto sofrimento, o meu acesso de choro foi por saber-me longe dele por tão pouco tempo, ou seja, exatamente dez horas depois de subir naquele avião, o meu pai partiu, não esperando sequer o horário da próxima visita...

Meu pai parou de sofrer, partiu atendendo ao 'vinde' do Senhor Jesus, sabemos e sentimos isso, mas a saudade dos momentos bons que vivemos e o exemplo de sua luta junto à minha mãe, para nos criar e para manter a família e os filhos de forma digna, ficou gravado em nós..., dos nove filhos, todos vivem, casados e com família constituída já... Papai o seu legado ficou, o sem exemplo nunca será esquecido e o senhor estará sempre vivo no nosso coração.

Meu pai partiu e foi sepultado junto aos seus pais na cidade de Solânea, interior da Paraíba, como era o seu desejo, manifestado anos atrás à minha mãe, no que foi atendido; teve presente todos os seus filhos (somente eu não estava fisicamente presente), noras, genros, netos e sua esposa que sempre teve por ele, e ele sabia disso, uma mor incondicional.

Adeus papai. Deus o abençoe e o receba no Seu santo Lar.

Sua filha: Leninha